Nesse mês de junho, época em que, tradicionalmente, a rede de proteção à infância reforça as ações de combate à exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, a campanha traz um apelo ainda maior: erradicar o trabalho infantil. A missão foi dada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que elegeu 2021 como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil.
A urgência de combater essa grave violação aos direitos humanos ficou ainda mais indispensável com a eclosão da pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, que teve grande impacto na economia e agrava a vulnerabilidade social. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em função da crise sanitária, mais de 300 mil crianças e adolescentes podem ser obrigados a trabalhar. Esse número seria somado aos 10,5 milhões de casos já existentes, até então, na região da América Latina e do Caribe.
Há no Brasil, atualmente, cerca de R$ 1,8 milhão de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil, segundo dado do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), em 2019. Desses, 706 mil (45,9%) estão em ocupações consideradas como piores formas de trabalho infantil.
Somente no ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT)recebeu 1.857 denúncias de todo o país relativas à exploração laboral de crianças e adolescentes, firmou 383 Termos de Ajustamento de Condutas (TACs) e moveu 145 Ações Civis Públicas (ACPs) sobre o tema. Já de 2015 a 2020, o órgão ministerial registrou 19.413 denúncias, instaurou 10.175 inquéritos civis, ajuizou 1.118 ACPs e firmou 5.320 TACs sobre o assunto. Essa atuação, no entanto, ainda é bastante comprometida pela subnotificação de casos. Por isso, as ações desenvolvidas ao longo do mês reforçam, sobretudo, a importância da denúncia e os esclarecimentos sobre os mitos acerca do tema.
“O trabalho infantil é uma tragédia social. A pandemia, infelizmente, só tende a invisibilizar ainda mais essa situação. Por isso, é urgente que a temática seja colocada como prioridade na agenda social. Cuidar das nossas crianças é responsabilidade de todos”, conclama a procuradora do Trabalho e coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), Jailda Pinto.
Em entrevista ao portal Cidade Livre, a Procuradora do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco Dra Jailda Pinto, falou sobre políticas publicas que agregam o enfrentamento de trabalho infantil aqui no Estado,
Aqui em Pernambuco, quais as ações que estão sendo efetuadas para conscientizar a população a denunciar?
Neste mês de junho, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco convidou membros(as), servidores(as), estagiários(as) e demais pessoas e instituições comprometidas com a temática a participarem de uma campanha virtual. O objetivo da iniciativa é propagar informações relevantes sobre a exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, por meio de vídeos, a serem exibidos nas redes sociais do MPT em Pernambuco (@mptpernambuco).
O papel de campanhas como essa é informar, conscientizar, sensibilizar, transformar, educar. É necessário romper com uma série de crenças, atitudes, percepções e opiniões favoráveis ao trabalho infantil, como também incluir o tema na agenda de discussão social, econômica, política.
12 de junho foi instituído em 2002 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil a fim de reforçar a conscientização das famílias, da sociedade, dos governos, dos(as) empresários(as) e dos(as)trabalhadores(as) sobre a importância de erradicar essa prática que prejudica o desenvolvimento físico, emocional e social de crianças e adolescente.
A conscientização acerca dos malefícios da exploração da mão de obra de crianças e adolescentes é o primeiro passo para a passagem do pensamento crítico à uma ação verdadeiramente transformadora de vidas, de trajetórias.
Quando as pessoas se conscientizam dos seus direitos há o fortalecimento da cidadania e das atuações para a concretização deles, nos âmbitos familiar, educacional, cultural, social e político.
Essa é uma forma de orientar a sociedade acerca dos canais de denúncia e quanto à necessidade de denunciar essa prática.
Ao suspeitar que criança ou adolescente esteja trabalhando, deve ser feita a denúncia ao Disque 100, à assistência social do município, ao conselho tutelar, à ouvidoria do Governo do Estado de Pernambuco, no site do Ministério Público do Trabalho.
Outras formas de contribuir no enfrentamento do trabalho infantil é :
1) não dar esmolas e não comprar produtos ou serviços ofertados por crianças e adolescentes, pois isso perpetua o ciclo do trabalho infantil e pode gerar efeitos como evasão escolar, exploração sexual e violência;
2) ser um(a) empresário(a) consciente, pois a responsabilidade deste (a) se estende por seus(suas) funcionários(as) e também por toda a cadeia produtiva;
3) ser um(a) consumidor consciente, pois ao usar seu poder de escolha e boicotar empresa exploradora do trabalho infantil há colaboração na definição de políticas empresariais sustentáveis;
4) tornar suas redes sociais fonte de informação, sensibilização e divulgação de boas práticas como forma de combater essa prática ilegal;
5) doar 6% do imposto de renda devido aos Fundo dos Direitos de Crianças e Adolescentes;
Outras formas de conscientizar a sociedade é através da concessão de entrevistas e participação de lives e webinários acerca da temática, o que o MPT faz de forma permanente, mas reforça no mês de junho.
Existe uma parceria com o governo do Estado? Se sim, quais políticas públicas podem ser apresentadas?
O Ministério Público do Trabalho é a instituição do Estado que tem como função defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis relativos às relações de trabalho, estando a serviço da sociedade e do interesse público.
Atua através de procedimentos investigatórios, iniciados por denúncias, nos âmbitos dos quais realiza Diligências, firma Termos de Ajuste de Conduta, e ajuíza Ações Civis Públicas na Justiça do Trabalho, bem como atua através dos procedimentos promocionais, iniciados por provocação interna , dentro dos quais realiza Audiências Públicas, estabelece Parcerias com outros órgãos, desenvolve projetos e campanhas.
As políticas públicas desenvolvidas pelo Estado e Municípios podem ser indicadas por tais entes.
Sabemos que o Ministério dos Direitos Humanos, que tem a Ministra Damares atuante sempre em combater abusos relacionados à criança e ao adolescente, fala bastante a respeito. O MPT está alinhado com o governo federal para ampliar essa conscientização na busca de combater esse problema?
As iniciativas não são combinadas previamente, mas o objetivo é similar: a conscientização quanto à necessidade de combater o trabalho infantil, suas causas e consequências.
O trabalho infantil é uma questão complexa, que tem muitas causas (econômicas, sociais, culturais), e também devemos considerar os vários responsáveis por esse enfrentamento: família, sociedade, escola, empresas, Estado, em especial através das políticas públicas.
O trabalho infantil encontra-se relacionado com o ciclo intergeracional da pobreza, cujas variáveis podem estar presentes tanto na dimensão intrafamiliar (renda, composição familiar) quanto na extrafamiliar (ausência de políticas públicas, fatores de ordem política econômica e social, entre outros).
Com poucas oportunidades de estudar, a criança que trabalha geralmente reproduz o perfil de outras gerações da família, que também trabalharam na infância. Sem a conscientização e direito a novas oportunidades que deveria ser garantido por meio de políticas públicas, dificilmente as crianças com este perfil conseguem romper o ciclo da pobreza e miséria de suas famílias.
O trabalho infantil prejudica a aprendizagem da criança, causa evasão escolar e a torna vulnerável em diversos aspectos, incluindo a saúde, exposição à violência, assédio sexual, esforços físicos intensos, acidentes com máquinas e animais no meio rural, entre outros.
A responsabilidade para assegurar a crianças e adolescentes os seus direitos fundamentais é de todos, da família, do Estado e de toda a sociedade.
O cenário de pandemia traz novas preocupações, como o impacto da crise sanitária na economia, na educação, no desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes, bem como o possível crescimento das piores formas do trabalho infantil, com destaque para o doméstico, durante o isolamento.
Assim, é preciso unir forças, trabalhar em conjunto, atuar em rede, de forma interinstitucional.
Além da percepção social, o UNICEF também informou intensificação do trabalho infantil na pandemia. Essas informações são importantes para orientar políticas que precisam ser realizadas, de forma urgente, para o enfrentamento ao trabalho infantil.
Entre essas políticas estão a realização de um diagnóstico, a identificação das famílias e inserção destas em programas sociais, transferência de renda, acompanhamento socioassistencial e políticas emergenciais em razão da pandemia, em especial que atenda as famílias mais vulneráveis, em sua maioria composta por mulheres e negras.
Além de serem privadas de uma infância plena, com sonhos, brincadeiras e educação, as crianças que trabalham carregam graves consequências para a vida adulta, como impactos físicos, psicológicos e econômicos, além da perpetuação do ciclo da pobreza, repetido de geração a geração.
A tendência em momentos de crises, em que cresce o desemprego e a informalidade, é o aumento do trabalho infantil, em especial nas suas piores formas.
Enquanto aguardamos dados oficiais do número do trabalho infantil no Estado após o impacto da pandemia do novo coronavírus, considero importante a reflexão de que para mitigar o impacto da Covid-19 nas crianças de famílias pobres, a Save the Children e o UNICEF pedem a expansão rápida e em larga escala dos sistemas e programas de proteção social, incluindo transferências de renda, alimentação e benefícios para a criança, ou seja, o atendimento das necessidades financeiras imediatas, com destaque para a segurança alimentar e nutricional.