O interesse pela vida alheia é algo observado por boa parte dos brasileiros, afinal de contas quem nunca teve na vida algum vizinho(a) ou amigo(a) bastante “curioso” não é mesmo? Qual a relação dos Reality Shows com a política?
Aquela pessoa que tem prazer em estar a bem informado sobre a sua vida e gasta tempo buscando informações é um retrato de como estamos hoje em dia. Raros os brasileiros ficaram imunes ao universo dos dois últimos BBB, o reality show de confinamento da rede Globo arrebatou audiência como nunca antes e é um fenômeno de estudos atualmente.
Já a algum tempo o sucesso dos reality shows no Brasil é algo espantoso para todos os estudiosos de comunicação e este fenômeno foi potencializado em 2020 e 2021, possivelmente devido a pandemia que manteve as pessoas em casa mais que de costume. Os números do reality vinham caindo e em 2019 o BBB teve a pior audiência desde sua estreia. A identificação da situação de confinamento e de escassez de recursos, somados ao tempo ocioso de pessoas que não estavam mais trabalhando ou estudando como de costume, geraram uma empatia que instantaneamente se transformou em audiência e se converteu em devoção, talvez até uma anestesia nestes tempos de pandemia.
Na final do ano de 2020 foram 1.532.944.337 votos, um número muito maior que o número de votos na última eleição presidencial que foi de 115.933.451, ou seja, em uma votação do BBB 2020 cabem 13 votações de presidente.
Desde o primeiro reality show estreado em 1973 nos Estados Unidos, até chegar no Holandês Big Brother que em 1999 teve um terço da população da Holanda assistindo a final, a indústria do reality show vêm movimentando bilhões de dólares ao redor do mundo e no Brasil o seu sucesso se inicia em 2002, sendo lançado após a Casa dos Artistas (SBT), criando uma nova modalidade de entretenimento aos brasileiros que logo se apaixonaram pelo modelo de novela em tempo real. A paixão pela vida alheia veio a tona como cultura.
O que acontece com este povo que tem tamanho prazer em eleger pessoas por seus comportamentos, histórias e atitudes e vota tão mal historicamente em eleições?
É notório que por sermos um povo tão empenhado neste tipo de análise deveríamos ser especialistas em votar e é muito triste constatar que nosso povo não aplica a mesma energia em acompanhar a vida daqueles de decidem o quanto de comida colocarão no prato, qual o tipo de saúde, segurança e educação terão e nem quanto pagarão de imposto quanto aplicam nos programas de TV.
O jogo dentro da casa do BBB não foge muito das relações humanas padrão e assim como na vida real, pessoas com habilidades relacionais e políticas mais desenvolvidas são melhor sucedidas.
Especificamente no BBB os 3 modelos de reality (os de transformação, com a fórmula antes/depois, os de competição e os de confinamento) são fundidos para gerar no usuário uma experiência potencializada e cada um deles aponta para situações específicas do comportamento humano e muito próximas da política, sendo o maior desafio do confinamento equilibrar a missão de eliminar participantes do jogo e evitar que você seja esse eliminado.
Um exercício político explícito que vai da montagem do seu grupo dentro da casa (partido) até a construção de alianças que te defendam de traições, o estabelecimento de acordos, os tratados de guerra, a disputa territorial, a influência do carisma, a racionalização de recursos , juntamente com a construção de uma conduta que seja observada com o mesmo peso pelos de dentro da casa e pelos de fora da casa serão determinantes para o resultado, pois são os de fora que votam pela sua permanência ou vitória no programa. É ou não é política pura?
Pois bem, que tal se colocarmos a formula do reality para transformar o Brasil?
Com nossas cidades vamos aplicar o modelo do antes e depois (aquele modelo que a pessoa ou o negócio sempre fica melhor que era antes) e o político que não deixar muito melhor do que quando assumiu é eliminado do “programa”, não sendo votado nunca mais pelo público (eleitor).
No legislativo podemos aplicar o modelo de confinamento e observar “tudo” que nossos representantes fazem como é no Big Brother. Vamos analisar tudo que falam, como se comportam, como desenvolvem o seu trabalho e como se estivéssemos no programa votarmos pra saírem ou permanecerem trocando nossas percepções com outros do público (eleitor).
Sem nenhum apego ao participante que gostamos na primeira semana será mais fácil trocar e cobrar na hora que víssemos nosso preferido cometer algo errado.
O modelo de competição seria a atmosfera padrão da política brasileira de forma sadia e todos os representantes saberiam que estamos olhando para o que fazem e só vai se manter vencedor quem for o melhor. Imagine os políticos competindo entre si para ver quem é aquele que mais representou seu eleitorado, sua localidade e mais promoveu o bem comum, seria um outro país.
Assim como no reality show, na política a mídia também constrói narrativas que podem eleger heróis ou vilões, seja pelo recorte de frases, seja pela edição de situações; ou mesmo pela exposição excessiva de um participante em detrimento esconder a imagem do outro. Em ambos os casos, quem controla a distribuição de informação tem o poder de apenas levar ao ar poucas coisas boas de uma pessoa ruim e potencializar um pequeno gesto ruim de uma pessoa boa. A pessoa que somente ver o que lhe é entregue pela edição, tomará suas decisões baseada na parte manipulada da história e provavelmente cometa o erro de julgamento ao qual foi induzida.
Grande parte do sucesso deste BBB21 ficou por conta dos confrontos relacionados a temas em pauta neste tempo que não puderam ser manipulados por conta das pessoas que assinaram pacotes de acesso total ao programa e ficaram 24 horas observando todas as câmeras. Este novo modelo de espectador tirou o poder de edição dos donos do programa em escolher quem é bom e quem é ruim. Após o sucesso do BBB 2020 a aposta foi criar um programa em 2021 para ser o palanque de causas que a emissora defende, elevando tais causas ao status de causas nacionais e assim modelar o comportamento de uma parte grande da população, tal fato fica evidente ao observar o elenco que foi deliberadamente constituído para ser porta voz destas causas e que correspondendo o desejo da emissora promoveu tais debates.
Por conta do amplo acesso do público a tudo o que ocorria em todos os lugares não houve o que fazer quando as máscaras ideológicas começaram a cair e todo o Brasil pode ver quem são as pessoas reais por trás de certas causas. A emissora com isto deu um “tiro no pé” e acabou desmascarando à contra gosto a “ hipocrisia do ódio do bem” e foi obrigada a ver seus próprios ícones de militância despertarem a repulsa da população e serem abatidos um a um pela opinião pública, sem nenhum poder de reação devido ao amplo acesso e velocidade das redes sociais.
Fica a lição para nosso Brasil que quanto mais informação e mais transparência, mais o poder emanará do povo e não ficará refém de discursos ou narrativas que não representem a maioria da população.
Por Reinaldo Barreiros – Presidente do Movimento Camaragibe Livre, MCL .