“Querida mamãe, será que tudo teria sido diferente se eu tivesse te contado? Será que você teria acreditado em mim? O tio disse que iria me matar se eu contasse, disse que iria matar você também. Eu tive medo, tive vergonha, me calei … e hoje não tenho mais como te contar… não estou mais aqui … mas peço a papai do céu que faça as outras mamães, papais e tios perceberem nas outras crianças os sinais das maldades que fazem com a gente escondido de vocês …”
Como Delegada de Polícia, diariamente atendo casos envolvendo violência física e sexual contra crianças e adolescentes. Fico imaginando o que uma criança abusada diria a alguém se tivesse tido tempo. Muitos casos resultam em morte ou sequelas e traumas para o resto da vida.
Os sinais do abuso são sutis, mas estão ali, dependendo unicamente da sensibilidade de um olhar atento.
Alguns dos fatores que aumentam o risco das agressões contra crianças e adolescentes são o abuso de drogas e álcool, a pobreza e distúrbios de saúde mental por pessoas que convivem com crianças e adolescentes.
O abuso pode ser físico, que consiste em maltratar ou ferir uma criança (tapas, empurrões, queimaduras, surras, puxões de cabelo etc) ou sexual, que ocorre quando alguém pratica atos com a vítima visando gratificação sexual (penetração vaginal, penetração anal, prática de sexo oral, tocar as partes íntimas ainda que sem penetração, forçar a criança a participar de ato sexual com outra criança, expor os órgãos genitais para uma criança, mostrar pornografia, prostituir a vítima etc).
Nas crianças e adolescentes que sofrem abuso físico, as marcas deixadas nas vítimas muitas vezes são visíveis, como hematomas, equimoses, marcas de mordidas, queimaduras, arranhões, cicatrizes, fraturas ou podem ter a forma do objeto utilizado para agredi-las, como cinto ou chinelos. Há ainda agressões que podem não deixar marcas, como empurrões, tapas e puxões de cabelo. Crianças que sofrem abuso físico por muito tempo, podem se tornar amedrontadas ou irritáveis.
As vítimas de abuso sexual, muitas vezes, demonstram alterações em seu comportamento. Algumas se tornam agressivas, apáticas, retraídas, amedrontadas ou podem desenvolver fobias e distúrbios do sono. As crianças e adolescentes molestados podem ainda demonstrar comportamento sexual, como se tocarem ou tocarem outras pessoas de maneira indevida. O abuso sexual pode também ocasionar lesões nas zonas genitais ou no reto, gerando dificuldades no ato de caminhar ou sentar. É comum a vítima se queixar de dor na região íntima. As meninas podem apresentar corrimento, sangramento ou coceira na área genital, além do risco de engravidar. As vítimas ainda estão expostas ao risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis (DST).
Os abusos físicos e sexuais podem, inclusive, refletir no futuro das crianças e adolescentes, gerando problemas de saúde mental ou levando ao abuso de substâncias químicas na fase adulta.
Os adultos responsáveis (pais, parentes, amigos, profissionais que atendam o público infanto- juvenil etc) devem buscar estabelecer uma relação de confiança com a criança ou adolescente, para que estes se sintam seguros em narrar algum abuso sofrido. Também é fundamental estar atento aos sinais de abuso, como marcas físicas ou alterações de comportamento, que possam indicar se a criança ou adolescente sofreu algum tipo de violência ou até mesmo foi ameaçada.
Importante também estar atento aos adultos que mantém contato com os menores, pois, 72% dos casos de violência sexual acontecem dentro de casa e 77% dos agressores são familiares ou conhecidos da vítima.
Em alguns casos, os abusadores também são menores de idade, algumas vezes até bem jovens, como adolescentes de 13 ou 14 anos. São menores que abusam de outros menores, sendo mais comum o fato ocorrer quando as crianças e adolescentes estão brincando sem a supervisão ou presença de um adulto. Por isso, é essencial sempre ter um adulto presente no local onde as crianças e adolescentes estão reunidos. A simples presença de um responsável pode impedir a prática de abusos.
O menino Henry Borel poderia estar vivo, caso algum dos profissionais que trabalhavam na casa ou parentes tivessem denunciado as suspeitas de abusos físicos sofridos pela criança. O menino se queixava de dores de cabeça, passou a rejeitar a presença do padrasto, não querendo ficar a sós com este ou até mesmo passando mal quando o via, sinais claros de que alguma coisa errada estava acontecendo. Uma simples ligação anônima poderia ter impedido que este pequenino fosse brutalmente assassinado.
Sempre que perceber qualquer sinal de que uma criança ou adolescente foi abusado, denuncie. A denúncia inclusive pode ser anônima, através de ligação para o número 100. Caso o abuso esteja acontecendo, o ideal é acionar a polícia, através do número 190. Ainda há a possibilidade de informar o fato à Delegacia de Polícia mais próxima. Em todo caso, não se cale, sua denúncia pode salvar uma vida.
Fonte :Painel de dados da ouvidoria nacional de direitos humanos, 2020